RESTAURANTE CHICO DO CARNEIRO: Um legado para a gastronomia roraimense

Diego Vasconcelos e sua mãe, Maria Edileuza, mostrando algumas das iguarias tão apreciadas no lugar: qualidade, dedicação e persistência são algumas das marcas do empreendimento |FOTO: Jonathas Oliveira



Na Av.Brigadeiro Gomes, “colado” ao Parque Anauá, há um prédio na esquina com a Rua Pernambuco, bairro dos Estados, que chama bastante a atenção, seja por suas cores cinza e branco ou pela quantidade de pessoas assentadas à mesa. No topo, há um círculo onde ostenta o nome do lugar: “Chico do Carneiro”. Para um turista, talvez isso soe hilário. Mas para quem é roraimense “raiz”, sabe que ali se trata de um restaurante que é exemplo de qualidade, dedicação e persistência ante às dificuldades (e fatalidades) da vida.

O nome é uma homenagem a Francisco Araújo Vasconcelos, cujo apelido inicialmente era apenas “Seu Chico”. Ele chegou a Roraima com a família em 2001, vindo de Santa Quitéria (CE). Antes, passou pelo Amazonas, onde tentou firmar negócios por lá. Mas ao saber que aqui era uma terra promissora, não pensou duas vezes e veio para cá com pouco dinheiro e muitos sonhos. “Viemos de ‘cegonha’ para Roraima”, conta o filho Diego Vasconcelos, hoje com 24 anos, em referência ao modelo de caminhão que transporta outros veículos.

Chico começou trabalhando com o irmão de um amigo que já morava aqui e que foi uma das pessoas que mais o incentivaram a investir nessa que era uma “terra de oportunidades”. No entanto, sua visão empreendedora lhe impulsionou a ter seu próprio negócio. “A oportunidade surgiu quando ele se deparou com uma multidão em um prédio grande na Av. Mário Homem de Melo, Liberdade. Onde hoje é uma igreja evangélica, antes era o local onde funcionários públicos iam receber seu pagamento. Foi aí que meu pai teve a ideia de preparar comida e vender por ali”, ressalta Diego.

Francisco Vasconcelos, o Chico do Carneiro: do Ceará para Roraima, um dos grandes nomes da gastronomia do Estado |FOTO: Arquivo Pessoal


Como todo início, não foi nada fácil para Chico. Conseguiu alugar um ponto comercial, tomou emprestado de amigos para custear as despesas e, em muitas ocasiões, fazia jus ao jargão popular onde se “vende o almoço para comprar a janta”. Ele e a esposa tinham apenas um pequeno fogão com apenas uma boca, onde preparavam as marmitas para vender na região, especialmente nas filas de pagamento do tal prédio na avenida. Logo, a fama da comida se espalhou e todos ali queriam saber de onde vinham aquelas “marmitas maravilhosas”. Assim, o negócio só prosperou.


De onde veio o nome?

Logo do restaurante, no prédio localizado no bairro dos Estados |FOTO: Diane Sampaio


Chico sempre se reunia com os amigos, todos cearenses, para relembrar os bons tempos em seu Estado de origem. Uma cervejinha aqui, uma cachaça ali, mas sempre tendo como prato principal uma iguaria apreciada na “terrinha” do nordeste: carneiro. O empresário sempre conseguia trazer do interior um para o “happy hour”. E sempre que algum amigo sugeria se reunir na casa de seu Chico e alguém perguntasse “Qual Chico?”, a resposta padrão era: “O Chico do carneiro”. Assim, o nome pegou e se tornou o nome do estabelecimento.


Nasce o restaurante

Primeira unidade do restaurante, na Av. Mário Homem de Melo, bairro Liberdade. Registro de 2012 |FOTO: Google Street View


Após poucos, o nome “Chico do Carneiro” se tornou conhecido na região e os pedidos só aumentavam. Foi quando ele decidiu abrir de fato o lugar para o almoço. “Ele botou as mesas, espalhou as mesas no salão e tudo mais. Logo providenciou uma reforma no ponto comercial e aí foi só crescimento. Sabe, aquela história de perseverança, de acreditar no seu potencial, botar Deus na frente e seguir em frente”, disse o filho.

"Seu Chico", em frente ao seu estabelecimento, na Av. Mário Homem de Melo |FOTO: Arquivo Pessoal



No cardápio, carne de sol, linguiças caseiras e, claro, a iguaria que alavancou o empreendimento: carneiro. Tudo, segundo Diego, com uma qualidade impecável e um sabor sem igual. “Gente de todos os cantos da cidade iam até lá experimentar nossa comida. Tornou-se um point para um ótimo jantar, especialmente para as famílias”.

Os negócios cresceram tanto que foi necessário abrir uma segunda unidade do restaurante. O local escolhido foi parte do “calçadão” do Parque Anauá, entre a Av. Brigadeiro Eduardo Gomes e a Rua Pernambuco. Inicialmente, era apenas um quiosque simples, mas que logo expandiu para uma área coberta. No entanto, a missão era a de manter a qualidade e o bom relacionamento com os clientes que já era marca na “matriz” no bairro Liberdade.

Segunda unidade do restaurante, ao lado do Parque Anauá |FOTO: Arquivo Pessoal



Tempos difíceis

Chico e seu filho Diogo: duas tragédias separadas entre sete meses |FOTO: Arquivo Pessoal


Não é clichê dizer que entre as principais dificuldades para os empreendedores no Brasil estão a burocracia, os altos impostos e a alta inflação. Chico passou por isso diversas vezes, mas sempre se manteve firme com seu negócio, tendo principalmente o apoio da sua família, que sempre o acompanhou desde o início nessa empreitada.

Além disso, a pandemia de covid-19 em 2020 fechou muitas portas no mundo inteiro. E com Chico do Carneiro não foi diferente. Por isso, tiveram que encerrar as atividades na “matriz” e ficar apenas com a do Bairro dos Estados, que só reabriu após os primeiros decretos de flexibilização da prefeitura, ainda naquele ano.

Porém, o que realmente abalou a família Vasconcelos foram as fatalidades por quais tiveram que passar. A primeira delas foi a morte trágica do pequeno Diogo, então com 11 anos, vítima de acidente de trânsito em dezembro de 2020. Toda a família estava na unidade do bairro dos Estados, embaixo da mangueira que há ali ao lado.

Subitamente, houve uma batida entre dois veículos, que com a colisão, foram em direção onde a criança estava. Diego e outros funcionários ainda tentaram correr para tirá-lo dali, mas não teve tempo. O pequeno Diogo foi atingido seu corpo foi arremessado para longe. O menino chegou a ser atendido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas não resistiu aos ferimentos, morrendo na hora. 

Os meses que se seguiram, foram de muita angústia e sofrimento para todos. Diego conta que o restaurante continuou funcionando apenas no Bairro dos Estados e todos tentavam dar o melhor de si para continuar oferecendo aos clientes um serviço de qualidade. Mas não era nada fácil. “Todos ficamos abalados. Mas meu pai, obviamente, foi um dos mais afetados. Ele não foi mais o mesmo desde então. Tanto que sete meses depois da morte do meu irmão, meu pai também partiu”.

Francisco Vasconcelos, o Chico do Carneiro, morreu no dia 4 de agosto de 2021, após três paradas cardíacas. Ele sofria com depressão e problemas pulmonares. Após sua morte, houve o receio de que talvez o restaurante que tanto lutou para tornar referência no Estado também fosse com ele. “Ficamos com medo de que os clientes deixassem de frequentar o lugar, achando que não fosse o mesmo sem meu pai. Pensamos em fechar”, comentou Diego.


A volta por cima

Restaurante se encontra hoje numa área que foi totalmente revitalizada pela prefeitura |FOTO: Diane Sampaio


Diego e toda a família tomaram a acertada decisão de continuar com o negócio. Afinal, era o legado de anos de trabalho e dedicação do patriarca. A memória dele precisava ser honrada. Assim, o empreendimento seguiu em frente. O jovem assumiu para si a responsabilidade e, como já acompanhava o pai desde criança com aquele ofício, sabia exatamente o que precisava ser feito.

A qualidade dos pratos se manteve, a clientela continuou fiel e muitos outros foram chegando. Diego conta que ao longo de sua trajetória sempre buscou conhecimento, principalmente para a área de administração de negócios. Participou de cursos no Sebrae Roraima e se aprimorou em diversas áreas, como manutenção e conservação de alimentos, gestão de negócios, entre outros.

Diego Vasconcelos hoje administra o empreendimento criado por seu pai: "As próximas gerações ainda o conhecerão"


O “boom”, se deu com uma medida importante da Prefeitura de Boa Vista, que iniciou a construção de uma praça na área de 20 mil metros quadrados que ia do ponto onde estava o restaurante até a avenida Minas Gerais, onde antes era uma imensa vala perigosa em diversos níveis. “Ficamos com medo de sermos solicitados a sair dali, pois todo o lugar seria revitalizado. Mas ficamos surpresos e, claro, muito felizes, quando ouvimos dos servidores da prefeitura de que a gente permaneceria ali”.

Assim, foi construída a Praça Linear Francisco Araújo de Vasconcelos “Chico do Carneiro”, uma homenagem mais que merecida. O local recebeu 1,6 km de drenagem, sanando pontos de alagamento. Hoje conta com 2km de ciclovia, 13 mil metros de calçada, academia ao ar livre, suportes para bicicleta, estacionamento para veículos automotivos, 165 árvores, 32 lixeiras e 58 bancos, além de iluminação 100% LED.

O restaurante está sempre cheio: clientela fiel e crescente |FOTO: Fábio Cavalcante


E o melhor: o famoso restaurante recebeu um prédio novo, mais bonito e adequado às necessidades da clientela sempre alta. Diego ressalta que a praça só reforça o legado deixado pelo seu pai aos roraimenses. “Essa praça aqui foi tudo de bom. Meu pai ficaria muito orgulhoso em saber dessa homenagem que recebeu. E isso só melhorou os negócios. Mais gente vem aqui nos conhecer e partilhar dos nossos pratos saborosos. E não tenho medo de dizer que daqui às próximas gerações, todos saberão quem é Chico do Carneiro”.




Postar um comentário

0 Comentários